terça-feira, outubro 24, 2006

Ao longo das janelas mortas

Ao longo das janelas mortas
Meu passo bate as calçadas.
Que estranho bate!... Será
Que a minha perna é de pau?
Ah, que esta vida é automática!
Estou exausto da gravitação dos astros!
Vou dar um tiro neste poema horrível!
Vou apitar chamando os guardas, os anjos, Nosso Senhor, as prostitutas, os mortos!
Venham ver a minha degradação,
A minha sede insaciável de não sei o que,
As minhas rugas.
Tombai, estrelas de conta,
Lua falsa de papelão,
Manto bordado do céu!
Tombai, cobri com a santa inutilidade vossa
Esta carcaça miserável de sonho...


[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]

segunda-feira, outubro 16, 2006

Momento

E, de repente,

Todas as coisas imóveis se desenharam mais nítidas no silencio,


As pálpebras estavam fechadas...

os cabelos pendidos...

E os anjos do Senhor traçavam cruzes sobre as portas.



[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]

sexta-feira, outubro 13, 2006

Bar

No mármore da mesa escrevo

Letras que não formam nome algum.

O meu caixão será de mogno,

Os grilos cantarão na treva...

Fora, na grama fria, devem estar brilhando as gotas
pequeninas do orvalho.
Há, sobre a mesa, um reflexo triste e vão

Que é o mesmo que vem dos óculos e das carecas.

Há um retrato do Marechal Deodoro proclamando a República.

E de tudo, irradia, grave, uma obscura, uma lenta música...

Ah, meus pobres botões! eu bem quisera traduzir, para vós, uns
dois ou três compassos do Universo!...
Infelizmente não sei tocar violoncelo...

A vida é muito curta, mesmo...

E as estrelas não formam nenhum nome.

[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]