domingo, junho 26, 2005

CANÇÃO DE BARCO E DE OLVIDO



      Para Augusto Meyer

      Não quero a negra desnuda.
      Não quero o baú do morto.
      Eu quero o mapa das nuvens
      E um barco bem vagaroso.
      Ai esquinas esquecidas...
      Ai lampiões de fins de linha...
      Quem me abana das antigas
      Janelas de guilhotina?
      Que eu vou passando e passando,
      Como em busca de outros ares...
      Sempre de barco passando,
      Cantando os meus quintanares...
      No mesmo instante olvidando
      Tudo o de que te lembrares.


      [in: Canções]

terça-feira, junho 21, 2005

DA OBSERVAÇÃO





      Não te irrites, por mais que te fizerem...
      Estuda, a frio, o coração alheio.
      Farás, assim, do mal que eles te querem,
      Teu mais amável e sutil recreio...





      [Mario Quintana; Espelho Mágico]

quinta-feira, junho 16, 2005

O auto-retrato





      No retrato que me faço
      - traço a traço -

      às vezes me pinto nuvem,
      às vezes me pinto árvore...

      às vezes me pinto coisas
      de que nem há mais lembrança...

      ou coisas que não existem
      mas que um dia existirão...

      e, desta lida, em que busco
      - pouco a pouco -

      minha eterna semelhança,
      no final, que restará?

      Um desenho de criança...
      Corrigido por um louco!


      [in: Apontamentos de História Sobrenatural]

quarta-feira, junho 15, 2005

A Carta

Quando completei quinze anos, meu compenetrado padrinho me escreveu uma carta muito, muito séria: tinha até ponto-e-vírgula! Nunca fiquei tão impressionado na minha vida.



[in: Caderno H, Editora Globo - Porto Alegre, 1973]



segunda-feira, junho 13, 2005

CANÇÃO DE OUTONO

O outono toca realejo

No pátio da minha vida.

Velha canção, sempre a mesma,

Sob a vidraça descida...

Tristeza? Encanto? Desejo?

Como é possível sabê-lo?

Um gozo incerto e dorido

de carícia a contrapelo...

Partir, ó alma, que dizes?

Colhe as horas, em suma...

mas os caminhos do Outono

Vão dar em parte alguma!

terça-feira, junho 07, 2005

Um poema como um gole d'água bebido no escuro.

Como um pobre animal palpitando ferido.

Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na

[floresta noturna.

Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição

[de poema.

Triste.

Solitário.

Único.

Ferido de mortal beleza.



[in: Melhores poemas. 10ª ed., São Paulo, Global, 1996]

sexta-feira, junho 03, 2005

Amar: Fechei os olhos para não te ver
e a minha boca para não dizer...
E dos meus olhos fechados desceram lágrimas que não enxuguei,
e da minha boca fechada nasceram sussurros
e palavras mudas que te dediquei...

O amor é quando a gente mora um no outro.